windsong

Todos haviam se retirado. O ambiente era quase silencioso, sendo mais audível o desenho animado ao qual o velho senhor assistia do que os murmúrios das pessoas.
As lágrimas já haviam cessado há algum tempo. Na penumbra, observava-se um cachorro... O que animais fazem em um lugar como aquele?, pensei. Mas... Para estes, especificamente, não faz diferença. Continua sendo carne. Sem significado algum.
Me lembrei...
"Quando vinha visitá-lo aqui, de tarde, tinha de deixar o Tico sozinho. Então eu dizia para ele: 'Tico, eu vou lá no hospital ver o papai, então vou ter que te deixar sozinho. Mas eu preciso que você se comporte, e não fique latindo muito. Então, eu vou te prender no banheiro, tá?' e ele foi, espontaneamente, para o tapete do banheiro e ficou lá, deitadinho. Mas hoje, quando vim agora à noite... Ele não ficou quieto, ele ficou latindo, latindo... Parece que eles sentem, né?"

Você não quer vê-lo?, perguntaram. Um pouco hesitante, assenti.

Adentrei. 7, 6, 5, 4... Os números das mesas de metal, frias, parecia aumentar qualquer tipo de tensão. 3. Lá estava. Frio, completamente congelado, por assim dizer. Apenas eu e ele... Seu olho direito estava inchado, mas pelo que soube, seu corpo já havia desinchado muito. Estava roxo, e parecia deixar um rastro de lágrima. Sua cabeça estava raspada, com cortes grandes e costurado. 37 pontos, se não me engano. Sua boca estava estranhamente fechada, parecia haver algum líquido branco entre os lábios. As feições estavam levemente diferentes, mas estava corado. Vestido, como sempre; camiseta pólo de manga curta de alguma cor leve, calça com cinto. Acho que faltava o maço de cigarros, uma caneta e o isqueiro. O cheiro, continuava o mesmo. Uma mistura de cigarro com um cheiro próprio.
Aquela figura era tão viva que hesitei bastante em me aproximar, por pensar que iria se mexer e me assustar a ponto de desmaiar. Tão viva. Mas não estava.

Aos prantos e finalmente a sós, só queria me despedir.

"Boa noite, pai. Durma bem, muito muito bem."

30/01/2011