windsong

Você se levanta calmamente, deixando transparecer a única coisa que sente no momento: a tranquilidade da insignificância. No momento, está apenas preocupado com a ponta de seu sapato, pensando onde encontrará um bom engraxate - você não faria algo tão baixo com as suas próprias mãos. Andando, observa as ruas pouco movimentadas de um final de tarde nublado, onde os raios de sol penetram por pequenas frestinhas, e isso, por um breve instante, te irrita. Você odeia o sol. Odeia o brilho e o calor dele. Odeia como ele ofusca seus olhos e clareia tudo que atinge. Odeia como ele transforma os densos olhos pretos em cor de mel, odeia como ele deixa as pessoas com suas peles à mostra. Mas, hoje não. Como se obedecessem às suas ordens, as nuvens logo se tornam densas e escuras; não mais se vê o brilho do Sol. O vento sopra gelado em sua face. Você gosta. A melancolia carregada pelas correntes te agrada. Te faz sentir-se bem. E eu sei porquê.
Continua caminhando, ainda pensando em seus sapatos. "Talvez eu devesse comprar outro", você pensa, enquanto percebe a vitrine ao seu lado. E é o que você faz. Sai da loja com uma sacola em mãos, e torna a caminhar. Tlec, tlec, dizem seus sapatos a cada passo. Tlec, tlec. Por muito tempo, o único som em que você repara. Tlec, tlec. As crianças brincam, e gritam. Tlec, tlec, é o que você ouve. Tlec, tlec, tlec, tlec...
Você chega na porta de casa. Dispondo de todo o tempo, apanha o molho do bolso. Pega a menor chave. Calmamente, insere-a na fechadura e vira as duas voltas. Abre a porta, entra, fecha-a vagarosamente. Uma última olhada para o mundo, antes de se esparramar em seu sofá novo. Um sorriso toma seus lábios. Um sorriso de plenitude.

Você a matou.

Ele.